20/10/2011

Texto: Comunicação

É importante saber o nome das coisas. Ou, pelo menos, saber comunicar o que você quer. Imagine-se entrando numa loja para comprar um... um... como é mesmo o nome?
- Posso ajudá-lo, cavalheiro?
- Pode. Eu quero um daqueles, daqueles...
- Pois não?
- Um... como é mesmo o nome?- Sim?
- Pomba! Um... um... Que cabeça a minha. A palavra me escapou por completo. É uma coisa simples, conhecidíssima.
- Sim senhor.
- O senhor vai dar risada quando souber.
- Sim senhor.
- Olha, é pontuda, certo?
- O quê, cavalheiro?
- Isso que eu quero. Tem uma ponta assim, entende? Depois vem assim, assim, faz uma volta, aí vem reto de novo, e na outra ponta tem uma espécie de encaixe, entende? Na ponta tem outra volta, só que esta é mais fechada. E tem um, um... Uma espécie de, como é que se diz? De sulco. Um sulco onde encaixa a outra ponta, a pontuda, de sorte que o, a, o negócio, entende, fica fechado. É isso. Uma coisa pontuda que fecha. Entende?
- Infelizmente, cavalheiro...
- Ora, você sabe do que eu estou falando.
- Estou me esforçando, mas...
- Escuta. Acho que não podia ser mais claro. Pontudo numa ponta, certo?
- Se o senhor diz, cavalheiro.
- Como, se eu digo? Isso já é má vontade. Eu sei que é pontudo numa ponta. Posso não saber o nome da coisa, isso é um detalhe. Mas sei exatamente o que eu quero.
- Sim senhor. Pontudo numa ponta.
- Isso. Eu sabia que você compreenderia. Tem?
- Bom, eu preciso saber mais sobre o, a, essa coisa. Tente descrevê-la outra vez. Quem sabe o senhor desenha para nós?
- Não. Eu não sei desenhar nem casinha com fumaça saindo da chaminé. Sou uma negação em desenho.
- Sinto muito.
- Não precisa sentir. Sou técnico em contabilidade, estou muito bem de vida. Não sou um débil mental. Não sei desenhar, só isso. E hoje, por acaso, me esqueci do nome desse raio. Mas fora isso, tudo bem. O desenho não me faz falta. Lido com números. Tenho algum problema com os números mais complicados, claro. O oito, por exemplo. Tenho que fazer um rascunho antes. Mas não sou um débil mental, como você está pensando.
- Eu não estou pensando nada, cavalheiro.
- Chame o gerente.
- Não será preciso, cavalheiro. Tenho certeza de que chegaremos a um acordo. Essa coisa que o senhor quer, é feito do quê?
- É de, sei lá. De metal.
- Muito bem. De metal. Ela se move?
- Bem... É mais ou menos assim. Presta atenção nas minhas mãos. É assim, assim, dobra aqui e encaixa na ponta, assim.
- Tem mais de uma peça? Já vem montado?
- É inteiriço. Tenho quase certeza de que é inteiriço.
- Francamente...
- Mas é simples! Uma coisa simples. Olha: assim, assim, uma volta aqui, vem vindo, vem vindo, outra volta e clique, encaixa.
- Ah, tem clique. É elétrico.
- Não! Clique, que eu digo, é o barulho de encaixar.
- Já sei!
- Ótimo!
- O senhor quer uma antena externa de televisão.
- Não! Escuta aqui. Vamos tentar de novo...
- Tentemos por outro lado. Para o que serve?
- Serve assim para prender. Entende? Uma coisa pontuda que prende. Você enfia a ponta pontuda por aqui, encaixa a ponta no sulco e prende as duas partes de uma coisa.
- Certo. Esse instrumentos que o senhor procura funciona mais ou menos como um gigantesco alfinete de segurança e...
- Mas é isso! É isso! Um alfinete de segurança!
- Mas do jeito que o senhor descrevia parecia uma coisa enorme, cavalheiro!
- É que eu sou meio expansivo. Me vê aí um... um... Como é mesmo o nome?

(VERÍSSIMO, Luis Fernando. Comunicação. In: PARA gostar de ler, v.7. 3. ed. São Paulo: Ática, 1982.)


Vocabulário
Sulco: Rego feito pelo arado; encher-se de ruga ou prega. 


ESTUDO DO TEXTO


1) Leia, com atenção, as seguintes frases:
1- “E hoje, por acaso, me esqueci do nome desse raio.
2- “Lido com números.”
3- “É que eu sou meio expansivo.”

De acordo com a sequência acima, por qual grupo de palavras podemos substituir as palavras destacadas?
a) coisa  -  trabalho  -  exagerado                           
b) descarga elétrica  -  sofro  -  esquecido                        
c) luz intensa  -  esforço-me  -  comunicativo


2) Esse texto mostra o diálogo entre duas personagens:
a) Quem são as personagens? __________________________________________________________________________________

b) O assunto do texto é um problema de comunicação. Que problema é esse?
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c) O problema de comunicação está centrado no vendedor, no comprador ou na língua utilizada?
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d) Podemos afirmar que o vendedor não está se esforçando em entender o homem? Por quê? 
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e) Como é o objeto que o homem quer comprar?
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f) Finalmente, qual é o objeto a ser comprado?
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Resenha do último capítulo do livro A Gramática: história, teoria e análise, ensino de Maria Helena de Moura Neves

O estudo do uso da língua materna e sua aplicação em sala de aula têm levado estudiosos a frequentes discussões, desde a preparação de professores na universidade até que tipo de gramática e teorias de ensino devem ser usadas no exercício da profissão. A linguista e professora Maria Helena de Moura Neves, na última parte da obra A gramática: história, teoria e análise, ensino, defendendo a integração entre as aulas de Linguística e as reflexões sobre o uso cotidiano da língua revela a preocupação com a formação de professores de Língua Portuguesa e consequentemente a atuação desses professores no âmbito educacional.
O texto aborda, mais especificamente, sobre o tratamento que se tem dado à gramática nas aulas de 1º a e 2° graus. Segundo a autora, o ensino da gramática nesse nível não se resolve independentemente da reflexão sobre o funcionamento da linguagem. Com base em pesquisas realizadas com professores, constatou-se que muitos saem da universidade achando que a gramática normativa, que está incoerentemente presente nos livros didáticos, é que vai garantir um bom desempenho linguistico.
A par dos resultados da mesma pesquisa, a maioria dos professores acreditava que, escrever melhor era a função da gramática, que segue padrões estabelecidos pela sociedade, impossibilitando assim, a incursão dos fatos que comprovam a existência de uma gramática da língua considerada importante para o desenvolvimento de atividades que refletem sobre a língua e seu funcionamento.
A autora ainda questiona o descrédito que tem a rotulação de classes e funções para o ensino, por exemplo – oração subordinada adverbial modal – procedimento tão comum nas escolas que tem sido responsável por falas como “o ensino da gramática não serve para nada”, desvinculado o aprender gramática do uso e funcionamento comum da língua.  
Apesar das contradições que existe na gramática, o professor tem a necessidade do conhecimento linguistico, embora o domínio deste, não demonstre um fim em si mesmo. Tal conhecimento deve abranger a reflexão e a compreensão funcional da língua para chegar clarividente ao sistema.
Por seu objeto ser a competência comunicativa, servir a uma variedade de finalidades e não considerar a linguagem um fenômeno estanque, a teoria funcionalista é para Neves (2002) e para aqueles que acreditam em atividades que relaciona o conhecimento linguistico ao seu uso, um campo viável e coerente para o sucesso do ensino da gramática nas escolas de 1º e 2º graus.
Nesse contexto, é importante que os profissionais da educação especializados no ensino da língua, incorporem os avanços da linguística sempre em busca de aperfeiçoamento e atualização, no tocante, a utilização de livros didáticos, metodologias, enfim, materiais e concepções que visem o uso efetivo da língua para o reconhecimento das normas.    
Diante dos fatos, é notável que o ensino da gramática é algo complexo que vai muito além do conhecimento das normas pré-estabelecidas em um manual de gramática tradicional. Contudo, cabem aos já professores e aos estudantes do curso de Letras, contrastar regra e realidade a fim de perceber que a riqueza e o dinamismo da língua não cabem em manuais engessados.

Por Poliana Birto Sena, Graduada em Letras Vernáculas
pela Universidade do Estado da Bahia - UNEB 
e pós-graduada em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira
pela Faculdade do Sul da Bahia - FASB

Resenha de três capítulos do livro Norma Linguística de Marcos Bagno

       
Marcos Bagno, poeta, linguista e tradutor, responsável por uma vasta produção de livro sobre variedade linguística, compõe o livro Norma Linguística, com textos autorais e de renomados estudiosos do campo da Sociolinguística no mundo. Dentre os textos, selecionei Dialeto, língua, Nação do linguista americano, Einar Haugen; Usos, julgamentos e prescrição linguística de Alain Rey, linguista e lexicógrafo francês; e A língua do estado – o estado da língua, do também linguista francês, Philippe Baubaud, a fim de apresentar algumas nuances que envolve tais estudos, além de observar as discussões que atravessam os textos.
         É com vista no uso da linguagem, que ambos autores dialogam, embora sejam distintos o viés das investigações. Dialeto, língua e nação busca, inicialmente, delimitar e definir o limite dos conceitos de “línguas” e “dialetos”, apesar das ambiguidades e opacidades de sentidos desses termos. Para Haugen (2001) tornou-se impossível a identificação e enumeração exata de línguas e dialetos.  No entanto, para melhor compreender o uso desses vocábulos, o autor traçou uma abordagem histórica, a partir de línguas como o inglês, o latim, o francês, o italiano e o grego.
       Uma língua se consolida pelo grupo de falantes que possui, mais ainda, quando esse grupo tem prestígio social e poder, daí a relação da língua com a nação. Segundo Haugen (2001, p.105), “toda nação que se dá ao respeito tem uma língua”. Nesse sentido, língua é identidade de um povo, logo deve ser preservada e padronizada, enquanto o dialeto são falares de pequenos grupos, normalmente, considerado numa dimensão de inferioridade funcional, sendo a língua sempre superior e o dialeto uma forma subordinada.
No texto Usos, julgamentos e prescrições linguísticas, Alain Rey também procura desmistificar conceitos ambíguos, mas agora, em relação ao termo “norma” levando em consideração o uso, os julgamentos sociais e as prescrições existentes nas abordagens linguísticas. Para o autor esses conceitos estão intrínsecos nos termos: norma objetiva, que implica no estudo da articulação das estruturas abstratas da língua; norma subjetiva, caracterizado como um feixe de juízos de valores que o falante pode ter em relação aos usos estabelecidos socialmente em sua comunidade linguística; e a norma prescritiva, aquela que prescreve como deve ser o “dizer certo” e define a norma.
No final do texto, o autor trava uma discussão sobre norma e purismo, na qual ele afirma “que a atitude normativa ativa, e em particular o purismo, apaga as condições e as implicações sociais de seus julgamentos, para remeter sua causa a um conceito abstrato da ‘língua’ e da ‘palavra’”. (Rey, 2001, p. 136). Nessa perspectiva, o purismo é uma atitude normativa estática, em que não é permitida nenhuma modificação no modelo estabelecido, pois qualquer alteração da norma é vista como uma ameaça ao sistema da língua, mesmo sendo iníqua ou injusta, as regras devem ser obedecidas.
A língua do Estado – o estado da língua. É usando esse trocadilho que Philippe Barbaud aborda pontos relevantes sobre a norma gramatical em termos contemporâneos. Primeiro ele define a natureza da língua como uma fórmula descritiva dotada do poder de generalizar a maioria dos usos governados pela norma linguística, segundo, que se manifesta no próprio desempenho dos falantes.
Cabe ao Estado, a função político-social de “informar, explicar e divulgar a lei e tudo o que, de maneira geral, lhe é atinente” (Barbaud, 2001, p.258). O Estado aqui é visto como o depositário principal da língua oficial, e o falante o depositário do estado da língua cabendo ao Estado cumprir o seu papel de defensor da língua supostamente materna universal à nação e comunicador oficial perante a sociedade, e ao falante como depositário do estado da língua, a obrigação de se tornar acionário da língua do estado.
As discussões científico-filosóficas travadas nos textos revelam a importância do estudo não só da língua estrutural, mas também da língua funcional. A norma que rege a língua deve observar, investigar e avaliar as várias esferas do uso da língua, a fim de não regularizar equívocos tão díspares da realidade do falante por questões de supremacia, de Estado, ou de quaisquer outras vertentes.

Por Poliana Birto Sena, Graduada em Letras Vernáculas
pela Universidade do Estado da Bahia - UNEB 
e pós-graduada em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira
pela Faculdade do Sul da Bahia - FASB

    BAGNO, Marcos (org.). Norma linguística. São Paulo: Loyola, 2001.

Texto: Pneu Furado



 O carro estava encostado no meio-fio, com um pneu furado. De pé ao lado do carro, olhando desconsoladamente para o pneu, uma moça muito bonitinha. Tão bonitinha que atrás parou outro carro e dele desceu um homem dizendo "Pode deixar". Ele trocaria o pneu.
- Você tem macaco? - perguntou o homem.
- Não - respondeu a moça.
- Tudo bem, eu tenho - disse o homem - Você tem estepe?
- Não - disse a moça.
- Vamos usar o meu - disse o homem.
E pôs-se a trabalhar, trocando o pneu, sob o olhar da moça.
Terminou no momento em que chegava o ônibus que a moça estava esperando. Ele ficou ali, suando, de boca aberta, vendo o ônibus se afastar. Dali a pouco chegou o dono do carro.
- Puxa, você trocou o pneu pra mim. Muito obrigado.
- É. Eu... Eu não posso ver pneu furado. Tenho que trocar.
- Coisa estranha.
- É uma compulsão. Sei lá.


(Luís Fernando Veríssimo. Livro: Pai não entende nada. L&PM, 1991).


                                                                     Estudo do texto

1- Sobre o texto pode-se inferir que:
a- O homem tinha algum interesse na moça.
b- O homem que trocou o pneu era borracheiro.
c- A moça muito bonitinha era a dona do carro.
d- O uso de travessões no texto não indica mudança de interlocutor entre as personagens.

2- Muitos vocábulos em português possuem mais de um significado. No texto, a que se refere o termo “Macaco”.
a- Brinquedo
b- chaveiro
c- animal
d- Objeto que serve para levantar peso

3- No trecho “ ... Eu não posso ver um pneu furado” a personagem:
I- Tenta disfarçar o fato de ter trocado o pneu para um desconhecido;
II- Possui realmente uma ação compulsiva;
III- Queria agradar o dono do carro;

Marque a alternativa correta:
a- I e II são corretas
b- I e III são corretas
c- II e III são corretas
d- Todas as alternativas são corretas

4- O que o homem sentiu vendo a moça entrar no ônibus?
a- Raiva
b- Gratidão
c- Espanto
d- Felicidade

5- Quem conta a história do Pneu Furado?
a- O autor, Luis Fernando Veríssimo
b- O dono do carro que esteve com o pneu furado
c- Um narrador que participa da história
d- Um narrador que está fora da história

Consciência Ambiental