Para chegar a uma definição mais concreta do que para Jauss pode ser
chamada de prazer estético, o texto inicia apresentando alguns conceitos de
“prazer” caracterizados por alguns teóricos no decorrer da história literária.
Na antiga teoria do poético de Aristóteles, a experiência estética não se
esgota apenas na técnica da perfeita imitação, mas, sobretudo, na reação do
espectador/leitor diante do que está sendo representado, o que mais tarde
serviu de base para os estudos da estética psicanalítica. Já a contribuição de Agostinho sobre a mesma
experiência se autoafirma por meio do “prazer dos olhos” que tanto pode fazer
uso dos sentidos – o cheiro, o sabor, o tato – como dos elementos catárticos ou
mesmo banais.
Com o passar do tempo, outras
discussões em torno do problema do prazer estético foram travadas. Conforme
Schiller, a relação de separação entre o trabalho e o lazer oriunda da ascensão
da sociedade industrial e capitalista, levou à desassociação do prazer com o
trabalho, passando este, a se tornar uma condição de sobrevivência e alienação,
e consequente objeto de dominação.
Com a emersão do materialismo, a teoria literária marxista, procura
eminentemente estabelecer vínculos entre literatura e realidade social,
buscando o caráter estético baseados em acontecimentos históricos relacionados
com o futuro. Daí surge uma das críticas defendida por Jauss sobre a concepção
marxista, para ele, a literatura não deve ser entendida como reflexo dos
fenômenos sociais, nem tampouco, desconsiderar os aspectos sincrônicos e
diacrônicos da obra e do leitor, o que limita sua ampla significação e
impossibilita a definição das experiências estéticas.
Nessa perspectiva, os conceitos psicanalíticos discutidos por Freud, de
relacionar o prazer estético ao passado, numa abordagem profunda dos
acontecimentos, desejos e experiências resgatadas pela memória, são um dos
fundamentos levantado e defendido por Jauss. “A própria poesia revela tanto
elementos do motivo recente quanto elementos das velhas lembranças”. (HAUSS,
2002, P.92)
De acordo com Hauss, o resgate histórico para qualificação de uma obra
literária não deve ser medido por meio do registro cronológico e biográfico, mas
através dos critérios da recepção e do efeito produzidos pela leitura da obra.
Nesse contexto, o leitor passa a ser um elemento importante na instância da
recepção que leva em consideração a relação dialógica entre o leitor e obra,
contrapondo à posição de Barthes que defende “o caráter insular da leitura
solidária e o aspecto anárquico do prazer estético, negando o caráter dialógico
entre leitor e texto.” (HAUSS, 2002, p.95)
A historicidade literária se apresenta em constante mudança por meio da
reconstrução do “horizonte de expectativa” do leitor que corresponde ao mundo
que o cerca: suas vivências, sua bagagem cultural, seus valores. De acordo com
a teoria da estética da recepção, esse horizonte pode ou não ser ampliando por
meio da leitura. Quanto mais o texto se distancia das expectativas, mais ele
amplia os horizontes. Em contrapartida, quando se lê um texto que não apresenta
nenhuma ou pouca novidade, menor será o horizonte de expectativas.
A distância entre o
horizonte de expectativa e a obra, entre o já conhecido da experiência estética
anterior e a “mudança de horizonte” exigida pela acolhida à nova obra,
determina, do ponto de vista da estética da recepção, o caráter artístico de
uma obra literária. (JAUSS, 1994, P.31)
Com essa nova concepção de recepção do texto, a obra literária passa a
ser definida pela relação que se estabelece entre literatura e leitor com suas
implicações tanto estéticas quanto históricas. “A história da literatura é um
processo de recepção e produção estética que se realiza na atualização dos
textos literários por parte do leitor que os recebe, do escritor, que se faz
novamente produtor, e do crítico, que sobre eles reflete”. (JAUSS, 1994, P.25)
A história do prazer estético da arte, segundo Jauss, se concretiza nos
três conceitos da tradição estética por compreender as funções produtivas,
receptiva e comunicativa da experiência estética que se complementam entre si.
São eles: A poiesis, a aisthesis e a katharsis.
No plano da Poiesis, o prazer
se caracteriza pela experiência produtiva que pode levar o indivíduo a outras
dimensões como a do mundo interior ou permanecer no mundo real em busca da
criação artística. A Aisthesis é compreendida pelo prazer
adquirido através da “experiência estética receptiva”, quando em posse de uma
obra de arte, o horizonte de expectativa do leitor renova ou amplia sua percepção. E a
katharsis consiste na capacidade efetiva de transformação das concepções
que o leitor tem do mundo e da vida diante da liberdade, legitimidade e autonomia
da obra de arte.
A poiesis é
o prazer ante a obra que nós mesmos realizamos;[...] a aisthesis designa o prazer estético
da percepção reconhecedora e do reconhecimento perceptivo, ou seja, um conhecimento através da experiência e da
percepção sensíveis; [...]e a katharsis
é o prazer dos afetos provocados pelo discurso ou pela poesia, capaz de
conduzir o ouvinte e o telespectador tanto a transformação de suas convicções, quanto
à liberação de sua psique (JAUSS, 2002, p. 100-101).
Essas atividades básicas da experiência estética não precisam necessariamente
seguir esta ordem, elas estabelecem funções autônomas, mas relacionam entre
si. As relações podem ocorrer da poiesis para aisthesis quando o criador assume o papel de observador de sua
própria obra, da aisthesis para a poiesis quando o leitor sai de sua
atitude receptiva e parte para a produção, entre poiesis e katharsis ao
transformar o leitor, e também o próprio autor, por ser este um dos leitores de
sua obra e entre a katharsis e a aisthesis quando o ato de contemplação
se configura na mudança de concepção.
Com base nas funções comunicativas da experiência estética, é possível
perceber a liberdade e autonomia que o leitor tem diante das obras artísticas.
Mesmo em face de sua criação, o autor não consegue limitar e impor o sentido
que compusera a sua obra, haja vista a liberdade de pensamento e a
multiciplidade de significações que as imagens verbais ou não verbais podem
sugerir aos seus inúmeros leitores.
A teoria do prazer estético reformulada por Hauss, apesar de criticar as correntes
marxistas, formalistas e estruturalistas, não as exclui, mas a partir delas,
recria um novo conceito de estética da recepção em que o leitor tem um papel
determinante.
Por Poliana Birto Sena, Graduada em Letras Vernáculas
pela Universidade do Estado da Bahia - UNEB
e pós-graduada em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira
pela Faculdade do Sul da Bahia - FASB
Referências
COMPAGNON,
Antoine. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Trad.
Cleonice Paes Barreto Mourão e Consuelo Fortes Santiago. Belo Horizonte: Ed.
UFMG, 2003.
JAUSS, Hans
Robert. O prazer estético e as explicações fundamentais da poiesis, aisthesis e Katharsis.
In: JAUSS, Hans Robert. Et. Al. A
literatura e o leitor: textos de estética da recepção. 2. ed. Coordenação e
tradução Luiz Costa Lima. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. p. 67-84.
JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à
teoria literária. Trad. Sérgio Tellaroli. São Paulo: Ática, 1994.
1 comentários:
Muito interessante. Eu imagino se poderia haver algo além da katharsis... Um enlevo, uma epifania, na qual o leitor pudesse ser receptor, criador e transformado ou transformador ao mesmo tempo.
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